Em nossa região, olhando estas imagens, já podemos prever o que vai acontecer: certamente vai ter de lavar todo o quintal por conta da fuligem que cairá!
A queima da cana-de-açúcar é utilizada para facilitar a colheita manual, já que automatizar a colheita requer altos investimentos e altas capacidades operacionais...em outras palavras, "sai caro". Entretanto, a prática da queimada trás diversos danos à saúde e ao meio ambiente. A
lei 11.241 de 2002 trata da redução queima da palha da cana-de-açúcar de forma gradual.
A legislação prevê planos diferenciados para áreas mecanizáveis (maiores que 150 hectares e declividade menor ou igual a 12%). Nesse caso, o prazo para eliminação gradativa das queimadas prevê: 20% de redução imediata da área cortada; 30% a partir de 2006; 50% a partir de 2011; 80% a partir de 2016 e 100% até 2021.
As áreas não-mecanizáveis (menores que 150 hectares ou declividade maior que 12%) e os locais com estruturas de solo que impedem a mecanização têm os seguintes prazos: 10% de redução a partir de 2011; 20% a partir de 2016; 30% a partir de 2021; 50% a partir de 2026 e 100% até 2031.
Além disso, a lei proíbe queimada a um quilômetro do perímetro de áreas urbanas, reservas indígenas, e exige dos plantadores um planejamento anual que deve ser entregue à Companhia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB).
É claro que a pena para o descumprimento da Lei não sai barato. Dependendo das condições, a empresa responsável pode arcar com valores de R$ 50.000,00 a R$ 200.000,00 por dia. E segundo informações, essa pena é valida também para incêndio criminoso. Resta saber se estas penas estão realmente sendo aplicadas.
No período do ano em que nos encontramos, com a baixa umidade relativa do ar, os prejuízos com as queimadas são inúmeros!
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Pessoas com asma sofrem com as
frequentes queimadas |
Segundo o artigo de Helena Ribeiro (2007), os estudos das condições atmosféricas adversas, provocados pela queima da palha da cana-de-açúcar, as crianças, idosos e pessoas com asma são os mais afetados pela queimada da palha da cana e
têm como conseqüência maior demanda do atendimento
dos serviços de saúde. Até então, os estudos
com cana tinham preocupação, sobretudo, com os trabalhadores
no processo produtivo (cortadores de cana) que mostrou que estes apresentavam riscos mais elevados de câncer de pulmão
em conseqüência da queima da folhagem.
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Crianças são as principais vítimas
das queimadas |
Nas queimadas, a combustão é incompleta, com formação de compostos que não foram totalmente oxidados e irritantes ao
sistema respiratório e, em alguns casos, carcinogênicos.
Pesquisadores afirmam que o material particulado fino
alcança os alvéolos e em grandes concentrações pode entrar na corrente sanguínea ou ficar alojado nos pulmões, resultando
em doenças crônicas como enfisema. Vapores orgânicos
tóxicos como
HPA são possivelmente carcinogênicos. O
monóxido de carbono pode causar hipóxia, ao prevenir
o sangue de carregar oxigênio suficiente.
Ainda segundo a pesquisadora, enquanto a poluição atmosférica
aguda pode desencadear infarto do miocárdio em horas
ou dias nas pessoas mais susceptíveis, a exposição crônica a
poluentes aumenta o risco de doenças cardiovasculares
que podem estar relacionadas à inflamação pulmonar
crônica. Sendo assim, as queimadas de cana teriam simultaneamente
os dois efeitos: poluição atmosférica aguda nas áreas
próximas e poluição atmosférica difusa em longo prazo
numa escala regional.
Se o processo de obtenção de etanol ficasse como mostrado na Figura abaixo, seria ideal.
A cana-de-açúcar seria colhida sem queima. O caldo de cana passaria pelos processos químicos necessários até a obtenção do etanol, que quando queimado no motor do automóvel, liberaria CO2 que voltaria para a planta no processo de fotossíntese. Esse seria o ciclo do carbono, com balanço de massa igual a zero.
Mas não é assim que funciona!! É bem mais complicado...pois entra o nitrogênio na conta!!
Como quase todo tipo de
agricultura intensiva, a produção de cana-de-açúcar exige a aplicação de
fertilizantes à base nitrogênio, como o nitrato de amônio. Entretanto, essa aplicação é extremamente ineficiente, pois somente 30% do
nitrogênio dele é absorvido pela cana. O restante acaba se perdendo no solo, na
água e no ar.
Tudo começa quando, aproximadamente 100 kg de fertilizante nitrado são adicionados, por ano, no solo para plantio da cana. Parte deste é usado para o desenvolvimento da planta mesmo. Mas uma parte considerável é perdida arrastada pelas águas da chuva até os rios ou transformada em gás por ação de microorganismos e liberados na atmosfera.
Qualquer combustão que
ocorra na presença do ar atmosférico produz calor que
favorece a reação química que combina o nitrogênio inerte com oxigênio e gera
nitrogênio ativo, como por exemplo NO e NO2. Para se ter uma ideia, a queima da palha de cana, somente no estado
de São Paulo, emite cerca de 46 mil toneladas de nitrogênio ativo na atmosfera, por ano.
Esse nitrogênio ativo foi
produzido pela queima de folhas de cana que contêm nitrogênio na sua estrutura
e também pelo calor gerado que converte o nitrogênio do ar em NO. Entretanto, a
produção de nitrogênio ativo não se limita somente ao local da produção da cana-de-açúcar.
Como o álcool será usado como combustível no automóvel, quantidades
adicionais de nitrogênio ativo serão geradas nesse processo.
Vários estudos feitos no Estado
de São Paulo já
observaram como as águas arrastam nitrogênio fertilizante dos canaviais até
córregos, rios e represas, onde ele degrada o ambiente aquático e as matas
ciliares. Mas ao avaliar a concentração nas represas, os cientistas perceberam
que somente o transporte pela água não explica toda a quantidade de nitrogênio
encontrada.
O químico ambiental Arnaldo
Cardoso, do Instituto de Química da Unesp, câmpus de Araraquara, suspeita que
esse nitrogênio em excesso venha da atmosfera, na forma de uma poeira
microscópica de nitrato de amônio. É como se fosse uma “chuva seca” de fertilizantes
que se forma no ar a partir de gases emitidos pela queima da folhagem da cana
feita antes da colheita, conforme a figura abaixo.
E você? O que acha disso tudo?
Referências:
CARDOSO, A.A.; MACHADO, C.M.D.; PEREIRA, E.A. Biocombustível: o mito do combustível limpo. Química Nova na Escola, n.28, 2008
RIBEIRO, H. Queimadas de cana-de-açúcar
no Brasil: efeitos à saúde
respiratória. Revista Saúde Pública, v. 42, n. 2, 370-376, 2008